quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Férias de verão

Fomos com o carro cheio. Cadeira cadeirinha sopa prancha de surf mochila de praia lancheira guarda sol ben u ron kompensan roupa quente roupa fria bolas pás e balde para a areia.
Chegámos àquela parte do Algarve com menos dez graus que em Lisboa, entrámos na casa que não escolhemos, aceitando as desculpas do locatário. Overbooking e tal estamos instalados numa casa típica daquela vila.
Perto da praia, imagino-nos sem pegar no carro durante essa semana de brincar na areia com o meu filho e dos primeiros mergulhos nas ondas.
A casa, perna pequena do L da garagem da grande moradia, não estava mal limpa nem cheirava demasiado a mofo, chegava para nós, gente optimista.
No primeiro dia fomos como havia sonhado, a pé para a praia.
Indiferentes ao vento frio e às nuvens cinzentas, caminhámos carregados com as coisas que precisávamos.
Prancha de surf, lancheira com um arroz de frango e ovo, sopa iogurtes e bolachas, fruta, chapéu de sol vários cremes para o pequeno, cangas toalhas e talheres de plástico.
Chapéu do bebé fraldas para a água e fraldas normais, telemóvel tabaco chaves e isqueiro. Água.
Parecia mais perto de carro mas chegamos bem dispostos.
Depois de atravessar o parque de estacionamento totalmente ocupado por caravanas  a cheirar a calamares e pessoas que não tomam banho há muito tempo, temos ainda de atravessar um pequeno rio que embora este ano tenha menos água que o habitual, ainda dá para molhar os calções e ameaçar o telefone.
Na praia. Muito frio. Muita gente. Vamos embora.
No segundo dia acordei eu com a cria. Muito poético fomos ver o mar mas não era possível através do nevoeiro.
Rumámos então ao centro da vila e acordei os meus sobrinhos , que estavam a dormir na casa da minha irmã, para que tomassem o pequeno almoço connosco. A meio da tosta mista um grito na praça chama a minha atenção
Pedro o bebé magoou-se
Fui a correr e lá estava o meu primogénito sentado no chão com sangue por todo o lado.
A brincar como os primos tropeçou e abriu o sobrolho nas escadas.
Bolas. Sem acordar a mãe vou a correr ao posto de saúde mais perto.
Número do serviço de saúde do bebé -não sabe?
- não, não sei não vê que está a sangrar? Atenda-me lá que pago o que for preciso!
Passa o médico e leva-me dali para resolver o problema.
Fala em espanhol já que é Cubano.
Miúdos fora da sala, agarre nele com toda a força. Seguro-lhe nos braços e pernas, a enfermeira na cabeça enquanto o aluno de Castro com a sua agulha arqueada trespassa a pele do meu filho com gestos seguros ao pé do olho. O pequeno chora e esperneia. Lá fora os meus sobrinhos também choram.
Hora de ligar a acordar a mãe.
Pois já viste que merda tropeçou quatro pontos.
- Ó Pedro...
Dois dias sem ir à praia, ir a Lagos tirar radiografias. Reparar no nome do médico agora francês, pergunto se tem uma filha, diz que sim se a vi na televisão. Digo que não que tirámos arquitectura juntos.
Agora ela faz móveis, não são tempos bons para os arquitectos.
Pois não eu sou músico.
Os tempos acalmaram depois disso, tirando o olho inchado atrás do enorme penso e o medo que a qualquer desequilíbrio acontecesse tragédia semelhante.
Fomos todos e bagagem para outra parte do Algarve, mais quente.
Chegamos à praia com facilidade e estacionamos perto. A temperatura estava boa para o herdeiro e ficámos um tempinho a aprender a nadar e que a água não se respira lá muito bem.
Comento com a F
que bom nunca esperei que estivesse tão bom aqui
mas quando olho para a areia à procura das nossas coisas não as encontro.
Subo e descubro-as. Estavam tapadas pelo acampamento de um senhor e sua mulher. Ele ex-pugilista cabelos pintados de dourado, como o fio, a fazer flexões. Ela de seios transbordantes atrás da Tv guia.
Pergunto delicadamente ,com tanta praia tem de montar o acampamento em cima de nós?
O homem sem olhar dispara em tom definitivo
A praia é de todos
Argumento suficiente para me fazer sair daquela.
No terceiro capítulo da odisseia voltamos ao lugar do crime, agora sem mãe que foi trabalhar.
Os velhotes na praça surpreendem-se com a recuperação rápida do Ronaldinho, apelido que mereceu depois de mostrar a sua grande habilidade em chutar golos.
O tempo está melhor e apesar de ter de acordar todos os dias às cinco e meia e depois às oito, foram dias bons e finalmente demos os mergulhos esperados.
A F voltou no fim de semana e nesse tempo a Carrapateira revelou a sua melhor face com vento sul. Um jantar no restaurante L Colesterol cozinhado por mim. Feijoada de polvo e ensopado de bochechas. Correu muito bem.
Tudo para que sentíssemos falta dele.
Do verão tempo de descanso. Tempo de férias calmas e cerveja ao pôr do sol. Tempo de calor e água quente em praias desertas.
Que saudades.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

À Marinha Portuguesa

Vale o que vale.
Mas vale.
Quando nos morre um pai não há nada que nos possam dizer para nos fazer sentir melhor.
Não há palavras mágicas não há abraços não existem beijos que nos arranquem do desespero da perda e da saudade.
Depois da vida temos apenas que prestar a nossa homenagem aos que nos deixaram, em cada momento, em cada atitude, em cada vírgula, mas também nas cerimónias fúnebres.
É no sentido de agradecer, emocionado, à Marinha Portuguesa que escrevo este texto.
Quando informados sobre a morte do meu pai, o meu querido Comandante Puppe, a Marinha estendeu sobre nós a sua asa e tratou de tudo.
Disponibilizou a capela de São Vicente, no ministério da Marinha e o oficial de ligação , o comandante Alif.
Trataram de nos receber com a pompa de uma farda branca imaculada e com a bandeira nacional a meia haste. Isto fez-me sentir como se para o país importasse a minha perda. Fez-me sentir que o país chorava comigo. Numa altura em que o sentimento de nação se dissipa, comecei a olhar a bandeira de outra forma.
No funeral, a salva de tiros dos fuzileiros, impecavelmente fardados e com o brio que os caracteriza, ecoou até à Índia e à Guiné, onde o meu pai serviu na guerra. A bandeira nacional em cima do caixão fez-me sentir que era um pouco de Portugal que morria. Mas para mim era também um pouco de Portugal que renascia, ao lembrar-me do que já fomos, e continuamos a ser nos homens que envergam aquela farda, que no fundo é a farda de todos nós.
Quando o corpo desapareceu em fumo, o oficial presente devolveu ao meu irmão mais velho a espada como que passando para nós a responsabilidade de continuar a servir como o Pai serviu, o País.
Escrevo, emocionado, que nunca vou esquecer a forma digna como a Marinha se ocupou deste assunto triste.
Lembro-me que na altura comentei que nestas alturas tudo isto vale o que vale.
Mas vale.
Obrigado.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Viver

As coisas como são. Os pelos brancos na barba, sou pai não tenho pai nem mãe. O Tejo, os barcos os carros muito devagarinho a atravessar a ponte, o café esquecido a ficar frio.
A luz filtrada de fim de Setembro e as imagens recorrentes de um passado não muito longínquo em que era apenas um filho.
Arrependimentos, porque não te levei a ver o mar uma ultima vez?
Sinto o coração amarrado por arame farpado, preso. Cada movimento provoca dor e estar quieto não ajuda.
As coisas como são. 
Às sete chega a Filipa com o António ao colo carregada de sacos e tenho de fazer o jantar e dar banho ao pequeno que já tem um dente e está meio refilão.
Enfiá-lo no pijama branco que o faz parecer uma bolinha sorridente e por momentos desamarrar o peito.
Esperar até às sete.
Ir comprar , por exemplo, um frango.
Respirar.
Viver.
Viver.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Galão de Verão

Galão no verão na esplanada o alcatrão consome gelados de infantes malcriados nascidos no lugar errado já procriando outros.

Galão no verão o Espírito Santo na televisão o gelado caído do filho preterido Lisboa adormecida roupa estendida ao sol que não se vê nas ruas estreitas

Limpando pelo imóvel cortinas abertas à aragem e aos meus olhos volta a Portugal ressoa pelas paredes paralelas e disformes

Confunde-se com os calcanhares de policias e canções africanas
E tradutores do momento inventando palavras em francês

E inglês e espanhol e alemão de mapa na mão
entretendo o meu galão
de verão.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

1

Desço as escadas de madeira até à sala e com os olhos meio fechados procuro a casa de banho.
Encontro-a e começa a transformação. Ouvido de fora deve soar a morte quando tusso os pulmões negros de tabaco e vomito as entranhas liquefeitas de noite. Olho-me ao espelho e reconheço-me por trás das veias salientes. Sou mesmo eu e isto não é um pesadelo, estou em casa.
Ainda imagens de há bocado num espaço indeterminado e cheiro a fumo. Imagens algumas estroboscópicas e outras de dia.
Muito difusas , procuro por pistas nos bolsos do casaco, uns extractos um cigarro de enrolar sem filtro. Abro a carteira ainda tenho cartões parece tudo normal, tenho o telefone.
Respira.
Os interiores já um bocado gastos reclamam à sua maneira mas estou melhor. Procuro tabaco e não encontro portanto visto as calças de ganga com a forma das minhas pernas e vou ao Sorap. Antes endireito o cigarro do bolso e fumo-o sem filtro. O Sorap é do Bangladesh e trabalha numa dessas novas mercearias que se multiplicam por Lisboa. Às vezes as cebolas são boas e têm sempre a aparelhagem toda – filtros slim e mortalhas smoking azuis.
Na carteira com cartões não há dinheiro, procuro nos bolsos das calças e do casaco e também não o encontro.
Subo a escorregar pela calçada à portuguesa até ao multibanco menos longe, o ecrã dá-me as notícias que estava à espera, gastei outra vez muito mais do que podia. Foi pelo menos um concerto em cerveja e sei lá o que mais. Logo agora que tenho de arranjar um dente.
Desço a escorregar pela calçada portuguesa de óculos escuros e mesmo assim a olhar para baixo não vá passar por alguém que conheça. Pago ao bangladeshiano, faço a esquina apoiado no varão de trânsito, subo as escadas e estou em casa outra vez, vou dormir fecho os olhos adormeço.
E mãos fechadas como estrelas cadentes atravessam os agrupamentos planetários e os sistemas entre um arco-íris nocturno e o negro do cosmos. Curvam e dirigem-se para mim, sinto os murros, acordo, o telefone toca um número desconhecido e escolho atender porque pode sempre ser uma oportunidade irrepetível.
Tinha combinado conhecê-la. Ficámos de nos encontrar no miradouro e quando cheguei já me esperava. Estava com uns óculos escuros redondos e o cabelo preso atrás. Olá tudo bem desculpa o atraso. Não faz mal está um dia bonito está a saber-me bem estar aqui.
Está bonito, a chuva passou e o sol de inverno estende os braços pelo espaço cedido pelas nuvens pesadas. Ilhas de luz no Tejo mas algum vento frio. Digo que me atrasei porque ontem acabei por sair e fiquei até mais tarde e não consegui acordar. Fui ao Coliseu ver uma banda horrível que estava na moda nos anos noventa porque alguém tinha bilhetes, como não estava a gostar nada daquilo fiquei no bar o tempo todo. Acabei por me embebedar um bocado e cheguei a casa de manhã. Explico-lhe que não me lembro de nada desde a última imperial em copo de plástico ao balcão até acordar e correr para a casa de banho.
O Norte entra-me pelo casaco e decido fechá-lo.
Ela fica a olhar para ele e meio sem saber se devia comentar ou não, acaba por dizer
Já reparaste que o teu casaco está sujo?
Deixa-me ver parece sangue.
Pois devo ter caído, respondo, procurando feridas debaixo da barba crescida. Sem cortes na cara, sem dores nos ombros nos joelhos ou nos cotovelos, sem marcas aparentes começo a pensar que este sangue no meu casaco, não é do meu.


terça-feira, 10 de setembro de 2013

Letras do Disco PEDRO PUPPE SETEMBRO

Chama e Ouve

Não sei o que me chama mas chama por mim
Acende-se nas noites que não têm fim
Queima como fogo que arde sem se ver
Caio de joelhos ainda está a arder

Não sei o que é a chama mas queima -me a mim

E depois de tantos anos
Não vou agora mudar de planos
Eu quero ser apenas o que posso ver
Há coisas que se acabam antes de nascer
Não sei o que te apaga
Acende-me a mim


Não sei porque não ouves quando chamo por ti
Pergunto-me o que houve para que seja assim
Vou passando os dias a dizer que sim
E quase me esqueci do que uma vez senti

Não sei o que tu ouves quando chamo por ti

Mas depois de tantos anos
Não vou agora mudar de planos
Eu quero ser apenas o que posso ver
Há coisas que se acabam antes de nascer
Não sei o que te apaga
Acende-me a mim




Sim ou Não

És como um livro de páginas molhadas
Por um balde de lágrimas de convés
Toco desfazes-te nos meus dedos
E nunca mais vou saber quem és

Como uma orquestra afina os instrumentos
Assim me preparo para te receber
Mas és um navio que renega os ventos
E continuo a ficar sem saber

Se sim ou não
Oh não
Ou não

És como um livro de palavras apagadas
Por um tipo de máquina de esquecer
Toco desfazes-te dos meus medos
e não tenho mais nada a perder

E como uma orquestra
Afina os instrumentos
Assim me preparo
Para te receber
Mas é um navio que renega os ventos
E continuo a ficar sem saber

Se sim ou não
Oh não
Ou não



No Meu Caminho

Fiz tudo errado
Depois vi-te nascer
Eu que saía pelas portas fora
Depois vi-te aparecer

Fiz tudo e mal
Agora vou tentar fazer melhor
Eu entrava sempre pelas portas dentro
Depois vi-te acontecer


Fazes-me virar
Insistes comigo
Vou para onde quero
Desde que estejas no meu caminho


Fiz tudo e mal
Agora vou tentar fazer melhor
Eu que saía pelas portas fora
Depois quiz-te viver


Fazes-me virar
Insistes comigo
Vou para onde quero
Desde que estejas no meu caminho



Falamos ao Longe


Hoje acabou o dia e vamos embora
Agora acabou o dia e vamos embora

E se amanhã não nos vamos ver
Hoje não vamos deixar o sol nascer

Mas falamos ao longe
Falamos ao longe

Hoje acabou o verão e vamos embora
Agora que acabou o verão vamos embora


E se amanhã não nos vamos ver
Hoje não vamos deixar o sol descer


Mas falamos ao longe
Falamos ao longe


Se o caminho nos separa
Se a casa nos desune
Se o calor nos abandona
Alto para nos ouvirmos
Pernas presas de ficarmos
Unhas de nos agarrarmos
Vozes secas de gritarmos
Alto para nos ouvirmos




Luzia

Escrever um disco a descrever a minha vida
Como se não me quisesse afastar dela
Tão difícil com vê-la reflectida
Olhando os vidros partidos da memória

Eu já não tenho mão para conter o juízo
Já não tenho Mãe para ter vergonha
Deixo crescer a barba a roer os cabelos
Para já prefiro sobrevoar os penhascos
Espantando os olhos tristes nas caravelas

Mas o sol gastou a capa que Luzia
Incendiou a quinta a carne e a alegria
E os dias vão seguindo de seguida
A escrever um disco sobre a minha vida

Eu já não tenho mão para conter o juízo
Já não tenho Mãe para ter vergonha
Deixo crescer a barba a roer os cabelos
Para já prefiro sobrevoar os penhascos
Espantando os olhos tristes nas caravelas







Nada a Dizer

Certo errado o que fazer
Um dia vai-te acontecer
Índios hostis
nomeámos o acampamento para vocês

Não tenho nada a dizer
Nada a dizer
Tenho Nada a dizer
Nada a dizer
Não tenho nada a dizer
Nada a dizer
Tenho Nada a dizer
Nada a dizer

Putos sem mal
Demos aos nossos soldados um nome igual
Não sejas cabeça dura
Deus está à espera de ouvir alguma coisa tua
Podíamos ser nós a arrastar-nos por aí
Mas essa coisa prefiro que sejam outras bandas a fazer

Que eu não tenho nada a dizer
Nada a dizer
Nada a dizer
Nada a dizer
Tenho nada a ceder
Nem razão para viver
Vou lutar para vencer
Tenho nada a esconder
Timidez para perder

Queria ver
Queria ler
E pertencer
E liderar

Mas não tenho nada a dizer
Nada a dizer
Nada a dizer
Nada a dizer
Nada a ceder
Nem razão para vencer
Matarei para viver
Tenho nada a esconder
Timidez para perder





O teu namorado

Só vais abrir os olhos se eu estiver à tua frente
Muitas coisas livres é para isso que tu vives
Todos os tesouros estou aqui para tos guardar
Mas não queres deixar

Que enquanto respiramos é como se nos beijássemos
que o ar que tu expiras é o mesmo que me inspira
Dizes muitas coisas belas , eu acredito nelas
Mas não vais deixar

O teu namorado

As coisas que perdemos vão ficar à nossa espera
A volta que daremos ser descrita de quimera
Que estaremos juntos e passaremos felizes
Sem teres de deixar

Mas o que passou passou e o tempo não chega
E tudo o que ficou quando chegar já era
Mundo não acabou como previa o Maia
Nem tu vais deixar

O teu namorado
Minha namorada





Cidade Escura

Na cidade escura com o céu cinzento
Há uma figura que resiste ao vento
Apesar do tempo sem ninguém na rua
Cheia de silêncio a cidade escura

É a própria sombra dessa figura

Cheia de raiva
Calada
Projectando frio
Outra vez outra vez outra vez
A figura sou eu

Podes vir buscar-me?
Eu fui deixado aqui outra vez
E perdi a chave
Vens ter comigo?
Se não vieres não sei ir ter
Contigo

À entrada do café à espera de atenção
Ninguém ajuda porque ninguém vê
A menina do balcão devolve com o olhar
Os solitários à verdade crua da cidade escura

Que é a própria sombra dessa figura

Cheia de raiva
Calada
Projectando frio
Outra vez outra vez outra vez
A figura sou eu

Podes vir buscar-me?
Eu fui deixado aqui outra vez
E perdi a chave
Vens ter comigo?
Se não vieres não sei ir ter
Contigo





Inadmissivelmente Triste

As pessoas matam-se
As pessoas matam-se mesmo
Porque não vêem futuro
Não vêem nada de bom à sua frente

E isso é tão triste
Isso é inadmissivelmente triste
Enquanto se bebe cerveja
Há quem não veja futuro à sua frente

Depois das trevas e do renascimento
Chegámos a um novo impasse civilizacional
E as escolhas que escolhermos vão ser inócuas e inconsequentes
Não podemos fazer nada porque vivemos em Portugal

E isso é tão triste
Isso é inadmissivelmente triste
Enquanto se bebe cerveja
Há quem não veja futuro à sua frente

E isso é tão triste
Isso é inadmissivelmente triste
Enquanto se bebe cerveja
Há quem não veja nada de bom à sua frente


quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Setembro - o disco

" Escrever um disco a descrever a minha vida 
  Como se não me quisesse afastar dela"



Já tinha pensado fazer um disco com as canções que andava a escrever, mas só quando o Henrique Amaro mo propôs, com data orçamento e tudo é que a empresa se pôs em marcha.
Comprei um pedal de efeitos para a minha guitarra que vinha com sistema operativo e placa de som, que me permitia finalmente gravar as ideias sem ser no telefone. Comecei então a deslocar o material que me ocupava a memória , até poder ter a coragem de ligar ao Henrique a dizer bora lá.
Um disco a solo é uma aventura de introspecção que me meteu medo durante muito tempo. Aliada à minha natural inépcia para tocar instrumentos , essa pesquisa parecia-me um sítio onde eu não queria ir. Depois pensei que era apenas um disco e não precisava de ser assim tão profundo.
Para me proteger, gravei as canções com baixo teclas e bateria de um modo tradicional que já conhecia, mas ao ouvir aquilo percebi que estava a fazer no fundo o que já tinha feito, mas sem a riqueza da contribuição de outros músicos. Já tinha as musicas mas procurava ainda a forma de as acabar. Conclui que era um disco a solo e como já estou farto de me chatear por causa de problemas de bandas e seus dilemas de egos, horários e manias (a maior parte deles causada provavelmente por mim), resolvi gravar tudo sozinho. Sem ter ninguém no estúdio para pedir conselhos,  tomando as minhas próprias decisões. O Henrique pôs-me à vontade para fazer artisticamente o que quisesse e fui para o campo fazer a pré- produção,  fase em que se decide a estética final das canções.
De todas as opções possíveis acabei por escolher na maior parte das vezes a primeira gravada no telefone, por mais tosca que fosse era a real. Acabei com uma forma muito simples em que muitos dos temas acabam por ter só uma guitarra tocada numa só corda durante a maior parte do tempo , enfatizando as letras e a mensagem.
Soube que o disco sairia em Setembro. Já tinha pensado assinar como 13 de Setembro em homenagem ao meu avô que quando desenhava assinava 13 de Maio , sua data de nascimento. O disco é um disco triste e melancólico, fim de verão e cor purpura.  Resolvi chama-lo Setembro.
A gravação com o Artur David em dez dias de Agosto correu bem.
Ía a pé para o estúdio e ele manteve-me fiel ao meu conceito original, não me permitindo grandes desvios em relação à pré-produção e mais importante(?), fazendo com que tudo soasse bem. O Artur foi muito importante no resultado final.
O disco começa com "Chama e Ouve" sobre escolhas de vida e falhas de comunicação. Gravei-a com a minha primeira guitarra acústica e com uma melódica do chinês. Convidei a brasileira Tiê para cantar a segunda voz mas ela nunca me respondeu, pelo que tive de cantá-la eu.
"No Meu Caminho" fala do efeito do nascimento de uma criança numa pessoa tempestuosa. O que era uma ideia escrita para alguém que não eu, a vida transformou numa das mais autobiográficas do disco...
"Sim ou Não" sobre a fragilidade de uma relação foi inspirada no Tom Waits e é a preferida da minha irmã, que é uma romântica.
"Luzia" era o nome da mãe e a minha canção preferida do disco.
"Falamos ao Longe" sobre o fim de verão e a melancolia da separação.
E outras coisas também. É difícil definir.
"Cidade Escura" lado mais b da existência de um espírito sensível.
"O Teu Namorado" , numa festa um amigo de um amigo que vive em Madrid elogia aquela dos MIUDA que vai para a cama com toda a gente, pensava que lhe faltava( ao projecto) uma dimensão lésbica. Concordei e escrevi para ser cantada por uma mulher, mas depois gostei demasiado dela.
"Nada a Dizer" era a que cantava sem me pedirem. Sempre senti que era a música da minha geração. Gravada a tocar e a cantar ao mesmo tempo.
" Inadmissivelmente Triste" quando ouvi na euronews a noticia gravei com o meu microfone. Depois nessa noite acrescentei tudo o resto voz guitarra e sintetizador. Em estúdio, decidimos  que não a poderíamos reproduzir melhor.
Foi um disco feito "à mão" e para a capa segui o mesmo conceito, tentando pintá-la ao mesmo tempo que o ouvia, tentando descrever as suas cores. Filmei o processo e devo ser dos primeiros a ter um vídeo do disco inteiro. Previsível  como o crepitar do fogo ou as nossas vidas.