terça-feira, 10 de setembro de 2013

Letras do Disco PEDRO PUPPE SETEMBRO

Chama e Ouve

Não sei o que me chama mas chama por mim
Acende-se nas noites que não têm fim
Queima como fogo que arde sem se ver
Caio de joelhos ainda está a arder

Não sei o que é a chama mas queima -me a mim

E depois de tantos anos
Não vou agora mudar de planos
Eu quero ser apenas o que posso ver
Há coisas que se acabam antes de nascer
Não sei o que te apaga
Acende-me a mim


Não sei porque não ouves quando chamo por ti
Pergunto-me o que houve para que seja assim
Vou passando os dias a dizer que sim
E quase me esqueci do que uma vez senti

Não sei o que tu ouves quando chamo por ti

Mas depois de tantos anos
Não vou agora mudar de planos
Eu quero ser apenas o que posso ver
Há coisas que se acabam antes de nascer
Não sei o que te apaga
Acende-me a mim




Sim ou Não

És como um livro de páginas molhadas
Por um balde de lágrimas de convés
Toco desfazes-te nos meus dedos
E nunca mais vou saber quem és

Como uma orquestra afina os instrumentos
Assim me preparo para te receber
Mas és um navio que renega os ventos
E continuo a ficar sem saber

Se sim ou não
Oh não
Ou não

És como um livro de palavras apagadas
Por um tipo de máquina de esquecer
Toco desfazes-te dos meus medos
e não tenho mais nada a perder

E como uma orquestra
Afina os instrumentos
Assim me preparo
Para te receber
Mas é um navio que renega os ventos
E continuo a ficar sem saber

Se sim ou não
Oh não
Ou não



No Meu Caminho

Fiz tudo errado
Depois vi-te nascer
Eu que saía pelas portas fora
Depois vi-te aparecer

Fiz tudo e mal
Agora vou tentar fazer melhor
Eu entrava sempre pelas portas dentro
Depois vi-te acontecer


Fazes-me virar
Insistes comigo
Vou para onde quero
Desde que estejas no meu caminho


Fiz tudo e mal
Agora vou tentar fazer melhor
Eu que saía pelas portas fora
Depois quiz-te viver


Fazes-me virar
Insistes comigo
Vou para onde quero
Desde que estejas no meu caminho



Falamos ao Longe


Hoje acabou o dia e vamos embora
Agora acabou o dia e vamos embora

E se amanhã não nos vamos ver
Hoje não vamos deixar o sol nascer

Mas falamos ao longe
Falamos ao longe

Hoje acabou o verão e vamos embora
Agora que acabou o verão vamos embora


E se amanhã não nos vamos ver
Hoje não vamos deixar o sol descer


Mas falamos ao longe
Falamos ao longe


Se o caminho nos separa
Se a casa nos desune
Se o calor nos abandona
Alto para nos ouvirmos
Pernas presas de ficarmos
Unhas de nos agarrarmos
Vozes secas de gritarmos
Alto para nos ouvirmos




Luzia

Escrever um disco a descrever a minha vida
Como se não me quisesse afastar dela
Tão difícil com vê-la reflectida
Olhando os vidros partidos da memória

Eu já não tenho mão para conter o juízo
Já não tenho Mãe para ter vergonha
Deixo crescer a barba a roer os cabelos
Para já prefiro sobrevoar os penhascos
Espantando os olhos tristes nas caravelas

Mas o sol gastou a capa que Luzia
Incendiou a quinta a carne e a alegria
E os dias vão seguindo de seguida
A escrever um disco sobre a minha vida

Eu já não tenho mão para conter o juízo
Já não tenho Mãe para ter vergonha
Deixo crescer a barba a roer os cabelos
Para já prefiro sobrevoar os penhascos
Espantando os olhos tristes nas caravelas







Nada a Dizer

Certo errado o que fazer
Um dia vai-te acontecer
Índios hostis
nomeámos o acampamento para vocês

Não tenho nada a dizer
Nada a dizer
Tenho Nada a dizer
Nada a dizer
Não tenho nada a dizer
Nada a dizer
Tenho Nada a dizer
Nada a dizer

Putos sem mal
Demos aos nossos soldados um nome igual
Não sejas cabeça dura
Deus está à espera de ouvir alguma coisa tua
Podíamos ser nós a arrastar-nos por aí
Mas essa coisa prefiro que sejam outras bandas a fazer

Que eu não tenho nada a dizer
Nada a dizer
Nada a dizer
Nada a dizer
Tenho nada a ceder
Nem razão para viver
Vou lutar para vencer
Tenho nada a esconder
Timidez para perder

Queria ver
Queria ler
E pertencer
E liderar

Mas não tenho nada a dizer
Nada a dizer
Nada a dizer
Nada a dizer
Nada a ceder
Nem razão para vencer
Matarei para viver
Tenho nada a esconder
Timidez para perder





O teu namorado

Só vais abrir os olhos se eu estiver à tua frente
Muitas coisas livres é para isso que tu vives
Todos os tesouros estou aqui para tos guardar
Mas não queres deixar

Que enquanto respiramos é como se nos beijássemos
que o ar que tu expiras é o mesmo que me inspira
Dizes muitas coisas belas , eu acredito nelas
Mas não vais deixar

O teu namorado

As coisas que perdemos vão ficar à nossa espera
A volta que daremos ser descrita de quimera
Que estaremos juntos e passaremos felizes
Sem teres de deixar

Mas o que passou passou e o tempo não chega
E tudo o que ficou quando chegar já era
Mundo não acabou como previa o Maia
Nem tu vais deixar

O teu namorado
Minha namorada





Cidade Escura

Na cidade escura com o céu cinzento
Há uma figura que resiste ao vento
Apesar do tempo sem ninguém na rua
Cheia de silêncio a cidade escura

É a própria sombra dessa figura

Cheia de raiva
Calada
Projectando frio
Outra vez outra vez outra vez
A figura sou eu

Podes vir buscar-me?
Eu fui deixado aqui outra vez
E perdi a chave
Vens ter comigo?
Se não vieres não sei ir ter
Contigo

À entrada do café à espera de atenção
Ninguém ajuda porque ninguém vê
A menina do balcão devolve com o olhar
Os solitários à verdade crua da cidade escura

Que é a própria sombra dessa figura

Cheia de raiva
Calada
Projectando frio
Outra vez outra vez outra vez
A figura sou eu

Podes vir buscar-me?
Eu fui deixado aqui outra vez
E perdi a chave
Vens ter comigo?
Se não vieres não sei ir ter
Contigo





Inadmissivelmente Triste

As pessoas matam-se
As pessoas matam-se mesmo
Porque não vêem futuro
Não vêem nada de bom à sua frente

E isso é tão triste
Isso é inadmissivelmente triste
Enquanto se bebe cerveja
Há quem não veja futuro à sua frente

Depois das trevas e do renascimento
Chegámos a um novo impasse civilizacional
E as escolhas que escolhermos vão ser inócuas e inconsequentes
Não podemos fazer nada porque vivemos em Portugal

E isso é tão triste
Isso é inadmissivelmente triste
Enquanto se bebe cerveja
Há quem não veja futuro à sua frente

E isso é tão triste
Isso é inadmissivelmente triste
Enquanto se bebe cerveja
Há quem não veja nada de bom à sua frente


quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Setembro - o disco

" Escrever um disco a descrever a minha vida 
  Como se não me quisesse afastar dela"



Já tinha pensado fazer um disco com as canções que andava a escrever, mas só quando o Henrique Amaro mo propôs, com data orçamento e tudo é que a empresa se pôs em marcha.
Comprei um pedal de efeitos para a minha guitarra que vinha com sistema operativo e placa de som, que me permitia finalmente gravar as ideias sem ser no telefone. Comecei então a deslocar o material que me ocupava a memória , até poder ter a coragem de ligar ao Henrique a dizer bora lá.
Um disco a solo é uma aventura de introspecção que me meteu medo durante muito tempo. Aliada à minha natural inépcia para tocar instrumentos , essa pesquisa parecia-me um sítio onde eu não queria ir. Depois pensei que era apenas um disco e não precisava de ser assim tão profundo.
Para me proteger, gravei as canções com baixo teclas e bateria de um modo tradicional que já conhecia, mas ao ouvir aquilo percebi que estava a fazer no fundo o que já tinha feito, mas sem a riqueza da contribuição de outros músicos. Já tinha as musicas mas procurava ainda a forma de as acabar. Conclui que era um disco a solo e como já estou farto de me chatear por causa de problemas de bandas e seus dilemas de egos, horários e manias (a maior parte deles causada provavelmente por mim), resolvi gravar tudo sozinho. Sem ter ninguém no estúdio para pedir conselhos,  tomando as minhas próprias decisões. O Henrique pôs-me à vontade para fazer artisticamente o que quisesse e fui para o campo fazer a pré- produção,  fase em que se decide a estética final das canções.
De todas as opções possíveis acabei por escolher na maior parte das vezes a primeira gravada no telefone, por mais tosca que fosse era a real. Acabei com uma forma muito simples em que muitos dos temas acabam por ter só uma guitarra tocada numa só corda durante a maior parte do tempo , enfatizando as letras e a mensagem.
Soube que o disco sairia em Setembro. Já tinha pensado assinar como 13 de Setembro em homenagem ao meu avô que quando desenhava assinava 13 de Maio , sua data de nascimento. O disco é um disco triste e melancólico, fim de verão e cor purpura.  Resolvi chama-lo Setembro.
A gravação com o Artur David em dez dias de Agosto correu bem.
Ía a pé para o estúdio e ele manteve-me fiel ao meu conceito original, não me permitindo grandes desvios em relação à pré-produção e mais importante(?), fazendo com que tudo soasse bem. O Artur foi muito importante no resultado final.
O disco começa com "Chama e Ouve" sobre escolhas de vida e falhas de comunicação. Gravei-a com a minha primeira guitarra acústica e com uma melódica do chinês. Convidei a brasileira Tiê para cantar a segunda voz mas ela nunca me respondeu, pelo que tive de cantá-la eu.
"No Meu Caminho" fala do efeito do nascimento de uma criança numa pessoa tempestuosa. O que era uma ideia escrita para alguém que não eu, a vida transformou numa das mais autobiográficas do disco...
"Sim ou Não" sobre a fragilidade de uma relação foi inspirada no Tom Waits e é a preferida da minha irmã, que é uma romântica.
"Luzia" era o nome da mãe e a minha canção preferida do disco.
"Falamos ao Longe" sobre o fim de verão e a melancolia da separação.
E outras coisas também. É difícil definir.
"Cidade Escura" lado mais b da existência de um espírito sensível.
"O Teu Namorado" , numa festa um amigo de um amigo que vive em Madrid elogia aquela dos MIUDA que vai para a cama com toda a gente, pensava que lhe faltava( ao projecto) uma dimensão lésbica. Concordei e escrevi para ser cantada por uma mulher, mas depois gostei demasiado dela.
"Nada a Dizer" era a que cantava sem me pedirem. Sempre senti que era a música da minha geração. Gravada a tocar e a cantar ao mesmo tempo.
" Inadmissivelmente Triste" quando ouvi na euronews a noticia gravei com o meu microfone. Depois nessa noite acrescentei tudo o resto voz guitarra e sintetizador. Em estúdio, decidimos  que não a poderíamos reproduzir melhor.
Foi um disco feito "à mão" e para a capa segui o mesmo conceito, tentando pintá-la ao mesmo tempo que o ouvia, tentando descrever as suas cores. Filmei o processo e devo ser dos primeiros a ter um vídeo do disco inteiro. Previsível  como o crepitar do fogo ou as nossas vidas.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Sem compromissos

Sem compromissos

A subir os degraus do teatro a barraca em santos, rápido porque já se ouve a guitarra tocada, é a primeira vez que ouço TvRural. No andar do concerto, um grupo de cinquenta pessoas entoa cada silaba de uma letra cujo significado me escapa, gritada sem pudor na língua de lisboa.
No palco a catarse dramática de olhos fechados, explosiva gutural tensa poética e surreal acontece.
Na altura (2001?) ninguém escreve em português e eles fazem-no com a segurança de quem cresceu a ouvi-lo.
A música dos TvRural pode ser descrita como anti-pop, pela sua rejeição sistemática das fórmulas compositivas de formatos amigos da rádio, pela sua busca do espontâneo, do gozo e às vezes do feio. É tudo liberdade de fazer o que aqueles músicos descendentes do psicadélico e do progressivo querem fazer, com arranjos elaborados e vários momentos melódicos e rítmicos por tema, acentuando a dimensão teatral da performance da banda, nunca antes totalmente traduzida quando gravada. Na “Balada do Coiote” fruto talvez das experiências extra banda de alguns dos seus membros, eles conseguem transmitir esse ambiente que se vive ao vivo, num registo gravado.
Os TvRural nunca tiveram problemas em beber da panela. Foram sempre o que quiseram ser. Influenciaram todos os que os ouviram. E o novo disco -sem nunca se comprometer- apenas desilude quando acaba.


A propósito e a pedido dos TvRural , sobre "a Balada do Coiote"




quarta-feira, 17 de julho de 2013

A Azeitona Insegura


                                                            A Azeitona Insegura



Só, num ramo verde frágil, segura apenas por uma mão, ela olha as irmãs a ficarem maduras falando de riquezas interiores. Falando do seu corpo e da sua pele ficar morena, perenes nos dias de chuva e indiferentes ao vento forte que a ela quase que leva.
Esta árvore já formou centenas de cursos e nunca ninguém apontou qualquer defeito na sua formação. 
Por algum motivo há flores que aparecem primeiro, a disciplina obriga a que se lhes dê prioridade. Esta foi das últimas a decidir-se e por isso nem foi numerada, como se não contassem que chegasse ao fim.
Demorou a nascer e foi num lugar improvável que revelou a sua personalidade, resistindo ao norte, às dores de ouvido e noites sem dormir. Lá foi crescendo no meio da folhagem sem pedir autorização para se tornar grande e  finalmente perceber o segredo de todo aquele rigor.
Supostamente no fim dos dias mais difíceis, ser-lhes-ía dito alguma coisa que justificaria todo aquele orgulho e  presunção. As flores mais velhas sabiam que a escola lhes tinha preparado um ramo durante um ano inteiro e isso enchia-as de orgulho e sentimento de individualidade. Mas o ramo onde florescia segura apenas por uma mão, parecia recém nascido e cadente. E questionava- -se.
Num dia de maio, mergulhada nas suas inquietações, respirando de braços abertos o ar a ficar mais quente, foi-lhe revelado finalmente o segredo.
A árvore reconhecia-lhe a tenacidade e acreditava no seu valor, podia ser uma das outras e representar todo o Olival. Apesar de esmagada pela responsabilidade, sentiu-se colorida.
Deveria ouvir uma canção naqueles dias. Uma canção mágica que contava a mesma história repetida todos os anos ao longo dos séculos. Não se cantava pela boca nem se ouvia pelos ouvidos.
Era como se se respirasse e de repente se soubesse que o destino era ser fruto.
E depois ouro.
Agora sim cheia do seu tesouro, ela própria meio e fim, sorri à chuva e espera pelo futuro.
A música da primavera poliniza as flores que passam a ser fruto que se prepara para ser colhido pelo homem. Isto aprende-se na primeira aula. A obrigação da azeitona é esforçar-se para crescer bem e estar no seu melhor no dia da Colheita.
Apesar de ter sido aceite ainda faltava muito para se tornar azeite e comparada continuava meio esverdeada e pequena. O frio chegou, mas do inverno já não tem medo, e foi numa dessas noites que o viu pela primeira vez.
Gigante, afastando os quartos da sua academia com os seus braços enormes, era um homem, que agora olhava directamente para ela e lhe admirava a cor. Depois de deter-se um bocado a perceber-lhe o tamanho, afasta-se o colosso suspirando nuvens da boca.
Toda a velha instituição tremeu depois daquela inspecção. Então o homem fora escolher logo aquela para olhar? Ainda não totalmente preta e já o inverno se consuma adivinhando o grande dia.
Seria esta vez a primeira que a reconhecida fonte não seria escolhida?
Sentindo a pressão, a nossa azeitona não dorme e faz por crescer em todos os momentos em que as outras, grandes e ociosas , descansam ao sol de Novembro.
Mas o tempo de crescer passou. Aproxima-se o dia da Colheita. Nesta árvore e em todas no grande mar que se estende até onde o sol se põe, faz-se a cerimónia do final de ano.
Todas as azeitonas incluindo as inseguras trajam de preto total e a escola descansa por mais um dever cumprido.
Um dia depois chegam as máquinas com homens lá dentro a cantar.
Dos seus pulmões sai a mesma canção que tinha sentido no dia da sua polinização. O dia em que lhe foi revelado o segredo e o seu destino glorioso. Desta vez eram os homens e não o vento a cantá-la.
Já no cesto, recordou-se de tudo o que tinha passado até àquele momento, de ser flor e de ser pequena.
Agora repara que no cesto é mais do que ela. Passou a ser uma com as suas semelhantes e é como um rio.
Repara que das outras árvores-escola saem outras como ela, pequenas e da sua cor.
Pensa como tudo faz sentido e , já no Lagar, não se contém. Comovida, desfaz-se em lágrimas.
E transforma-se em Azeite.

O António sabe que o fruto das azeitonas inseguras faz um Azeite melhor. E por isso escolheu aquele lote para levar ao concurso de onde levou o primeiro prémio.
Na quinta celebrou-se. A árvore foi informada.

25/12/12  para o livro do António Corrêa Nunes "Os Caminhos do Azeite"