quarta-feira, 17 de julho de 2013

A Azeitona Insegura


                                                            A Azeitona Insegura



Só, num ramo verde frágil, segura apenas por uma mão, ela olha as irmãs a ficarem maduras falando de riquezas interiores. Falando do seu corpo e da sua pele ficar morena, perenes nos dias de chuva e indiferentes ao vento forte que a ela quase que leva.
Esta árvore já formou centenas de cursos e nunca ninguém apontou qualquer defeito na sua formação. 
Por algum motivo há flores que aparecem primeiro, a disciplina obriga a que se lhes dê prioridade. Esta foi das últimas a decidir-se e por isso nem foi numerada, como se não contassem que chegasse ao fim.
Demorou a nascer e foi num lugar improvável que revelou a sua personalidade, resistindo ao norte, às dores de ouvido e noites sem dormir. Lá foi crescendo no meio da folhagem sem pedir autorização para se tornar grande e  finalmente perceber o segredo de todo aquele rigor.
Supostamente no fim dos dias mais difíceis, ser-lhes-ía dito alguma coisa que justificaria todo aquele orgulho e  presunção. As flores mais velhas sabiam que a escola lhes tinha preparado um ramo durante um ano inteiro e isso enchia-as de orgulho e sentimento de individualidade. Mas o ramo onde florescia segura apenas por uma mão, parecia recém nascido e cadente. E questionava- -se.
Num dia de maio, mergulhada nas suas inquietações, respirando de braços abertos o ar a ficar mais quente, foi-lhe revelado finalmente o segredo.
A árvore reconhecia-lhe a tenacidade e acreditava no seu valor, podia ser uma das outras e representar todo o Olival. Apesar de esmagada pela responsabilidade, sentiu-se colorida.
Deveria ouvir uma canção naqueles dias. Uma canção mágica que contava a mesma história repetida todos os anos ao longo dos séculos. Não se cantava pela boca nem se ouvia pelos ouvidos.
Era como se se respirasse e de repente se soubesse que o destino era ser fruto.
E depois ouro.
Agora sim cheia do seu tesouro, ela própria meio e fim, sorri à chuva e espera pelo futuro.
A música da primavera poliniza as flores que passam a ser fruto que se prepara para ser colhido pelo homem. Isto aprende-se na primeira aula. A obrigação da azeitona é esforçar-se para crescer bem e estar no seu melhor no dia da Colheita.
Apesar de ter sido aceite ainda faltava muito para se tornar azeite e comparada continuava meio esverdeada e pequena. O frio chegou, mas do inverno já não tem medo, e foi numa dessas noites que o viu pela primeira vez.
Gigante, afastando os quartos da sua academia com os seus braços enormes, era um homem, que agora olhava directamente para ela e lhe admirava a cor. Depois de deter-se um bocado a perceber-lhe o tamanho, afasta-se o colosso suspirando nuvens da boca.
Toda a velha instituição tremeu depois daquela inspecção. Então o homem fora escolher logo aquela para olhar? Ainda não totalmente preta e já o inverno se consuma adivinhando o grande dia.
Seria esta vez a primeira que a reconhecida fonte não seria escolhida?
Sentindo a pressão, a nossa azeitona não dorme e faz por crescer em todos os momentos em que as outras, grandes e ociosas , descansam ao sol de Novembro.
Mas o tempo de crescer passou. Aproxima-se o dia da Colheita. Nesta árvore e em todas no grande mar que se estende até onde o sol se põe, faz-se a cerimónia do final de ano.
Todas as azeitonas incluindo as inseguras trajam de preto total e a escola descansa por mais um dever cumprido.
Um dia depois chegam as máquinas com homens lá dentro a cantar.
Dos seus pulmões sai a mesma canção que tinha sentido no dia da sua polinização. O dia em que lhe foi revelado o segredo e o seu destino glorioso. Desta vez eram os homens e não o vento a cantá-la.
Já no cesto, recordou-se de tudo o que tinha passado até àquele momento, de ser flor e de ser pequena.
Agora repara que no cesto é mais do que ela. Passou a ser uma com as suas semelhantes e é como um rio.
Repara que das outras árvores-escola saem outras como ela, pequenas e da sua cor.
Pensa como tudo faz sentido e , já no Lagar, não se contém. Comovida, desfaz-se em lágrimas.
E transforma-se em Azeite.

O António sabe que o fruto das azeitonas inseguras faz um Azeite melhor. E por isso escolheu aquele lote para levar ao concurso de onde levou o primeiro prémio.
Na quinta celebrou-se. A árvore foi informada.

25/12/12  para o livro do António Corrêa Nunes "Os Caminhos do Azeite"




















                                                                                          



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